Episteme, o que é? – Michel Foucault

Não se trata de uma estrutura metafísica, ou de um sistema, mas de um conjunto que se refere aos saberes em sua condição de existência. Um arranjo específico de relações históricas que possibilitam a emergência de discursos científicos interligados seja por proximidade ou por distância, seja por harmonia ou por conflitos.

 Índice

Introdução

A noção de episteme é importante em As palavras e as coisas, livro de 1966 em que Michel Foucault busca o momento de emergência das ciências humanas no ocidente a partir de suas configurações discursivas. Para analisar este nascimento, o autor busca as condições de possibilidade ao florescimento da noção de homem e sua centralização nas ciências em emergência desde o século XVII até o século XVIII.

A partir do verbete episteme, do livro Michel Foucault: conceitos essenciais, de Judith Revel, irei iniciar uma trajetória de entendimento da noção supracitada. Utilizarei os apontamentos da comentarista e combinarei com citações do autor no livro que carrega a noção originalmente, mas também em seus comentários na Arqueologia do Saber.


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A noção

Inicialmente, a introdução do termo por Michel Foucault se dá através da seguinte citação retirada do livro de Revel: “são todos esses fenômenos de relações entre as ciências ou entre os diferentes discursos científicos que constituem aquilo que eu denomino a episteme de uma época”[1], desta forma, trata-se de um conjunto de relações entre diferentes discursos científicos, ou seja, aquilo que os liga de alguma forma, pois não se tem a identificação de que a forma de relação se faz através da harmonia, desarmonia, implicações lógicas ou justaposições. Há, somente, a designação de relações.

“A episteme em Michel Foucault”. Veja aqui:

Neste momento, há uma citação de As palavras e as coisas que pode exemplificar o tipo de relação que se observa:

Uma reforma da moeda, um uso bancário, uma prática comercial podem bem se racionalizar, se desenvolver, se manter ou desaparecer segundo formas próprias; mas estão sempre fundados sobre certo saber: saber obscuro que não se manifesta por si mesmo num discurso, mas cujas necessidades são igualmente as mesmas para as teorias abstratas ou as especulações sem relação aparente com a realidade. Numa cultura e num dado momento, nunca há mais que uma epistémê, que define as condições de possibilidade de todo saber. Tanto aquele que se manifesta numa teoria quanto aquele que é silenciosamente investido numa prática.[2]

Relações que não necessariamente se situam no mesmo nível nem que estão sob a mesma temática. Simplesmente relações de possibilidade, ou seja, relações práticas que permitem que a emergência de uma certa teoria ou prática seja razoável num centro momento histórico. Novamente, em Arqueologia do Saber, Michel Foucault reforça o caráter não determinado do tipo de relações que fundamentam a noção de episteme:

Por episteme entende-se, na verdade, o conjunto das relações que podem unir, em uma dada época, as práticas discursivas que dão lugar a figuras epistemológicas, a ciências, eventualmente a sistemas formalizados.[3]

Mas é interessante observar que, neste livro dedicado a explicar o procedimento arqueológico, aponta-se a existência das práticas discursivas como resultado das relações não determinadas que podem ser encontradas numa episteme. A episteme, portanto, não é uma epistemologia geral de uma época, mas é um conjunto de relações que se refere às práticas discursivas desta época.

Revel intervém, em seu verbete, com a sinalização de uma confusão acerca do termo: “de um lado, interpreta-se a episteme como um sistema unitário, coerente e fechado […] de outro lado, acusa-se Foucault de um certo relativismo histórico”[4]. Na própria Arqueologia do Saber, Michel Foucault se compromete a tocar nestes pontos, entendendo a episteme como um conjunto de relações nunca fechado em si e sempre móvel, desta forma, retirando o conceito de uma necessidade de explicação estrutural, já que não se trata de um sistema que é trocado de tempos em tempos, mas também não se trata de uma epistemologia, também não se situa no campo da descoberta da verdade. A episteme fundamenta práticas discursivas.

a episteme não é o que se pode saber em uma época, tendo em conta insuficiências técnicas, hábitos mentais, ou limites colocados pela tradição; é aquilo que, na positividade das práticas discursivas, torna possível a existência de figuras epistemológicas e das ciências.[5]

Como não se trata do que se pode saber em uma dada época, a episteme também não está ligada à verdade da mesma maneira que as filosofias do conhecimento. Ela questiona o que significa a uma ciência, ter tal tipo de reconhecimento e, portanto, questiona o próprio direito de uma ciência ser ciência para além da rigorosidade do método, mas no próprio âmago existencial da ciência enquanto tal:

E o ponto onde se separa de todas as filosofias do conhecimento é o que ela não relaciona tal fato à instância de uma doação originária que fundaria, em um sujeito transcendental, o fato e o direito; mas sim aos processos de uma prática histórica.[6]

Desta forma, a episteme não se localiza no nível do conhecimento, mas sim no nível das práticas históricas de conhecimento, ou seja, há de fato certo relativismo histórico, mas não está localizado no conhecimento em si, porém nas formas de se produzi-lo, nas formas de organizar o mundo através das formas de racionalidade possíveis em cada época. A questão que subjaz a episteme é anterior à questão da verdade científica, ela questiona a própria questão da verdade científica quando a localiza historicamente e quando a relaciona com práticas históricas.

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Considerações finais

Para termina o presente texto, irei inserir a definição de Vandresen, que entende que a “epistémê nada mais é do que o aparecimento de uma ordem em determinado momento histórico e que os saberes que nele surgem, manifestos nos discursos, são tomados como verdadeiros devido a sua influência”[7].

Não se trata de uma estrutura metafísica, ou de um sistema, mas de um conjunto que se refere aos saberes em sua condição de existência. Um arranjo específico de relações históricas que possibilitam a emergência de discursos científicos interligados seja por proximidade ou por distância, seja por harmonia ou por conflitos.

Referências

[1] REVEL, Judith. Michel Foucault: conceitos essenciais. Tradução: Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez, Carlos Piovesani. São Carlos: Claraluz, 2005, p. 41.

[2] FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8ª ed. — São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 229.

[3] FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 217.

[4] REVEL, Judith. Michel Foucault: conceitos essenciais… p. 41.

[5] FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber… p. 218.

[6] FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber… p. 218.

[7] VANDRESEN, D. S. O discurso na arqueologia e genealogia de Michel Foucault. Site da secretaria da educação do estado do Paraná. Disponível em <<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/FILOSOFIA/Artigos/Daniel_Salesio_Vandresen.pdf>>. Acesso em 28 de março de 2023.

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